terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Resenha do livro "Universo psíquico e reprodução do capital - Ensaios freudomarxistas"


Universo Psíquico e Reprodução do Capital: 
Ensaios freudo-marxistas

Renato Dias de Souza 1



No livro “Universo Psíquico e Reprodução do Capital: Ensaios Freudo-Marxistas”2, publicado pela editora Escuta, 2008, de autoria de Nildo Viana, foram reunidos quatro ensaios. Nestes destacamos a preocupação do autor em historicizar os diversos temas e sistematizar conhecimento sob as lentes da “crítica impiedosa do existente”, como propunha Marx. O professor da Universidade Estadual de Goiás realizou uma síntese entre marxismo e psicanálise. Não constituiu um conjunto homogêneo a partir de partes distintas ou justapondo essas duas perspectivas de explicação do universo psíquico e da
sociedade.

Ao contrário, repensou a psicanálise com as categorias do marxismo. Reconhecendo os avanços e limites desta na compreensão do processo de reprodução do capital, a partir da análise do universo psíquico. Utilizando o materialismo histórico-dialético, como método heurístico de perspectiva totalizante, foi possível que apresentasse críticas as idéias acerca do “princípio de realidade” e “princípio de prazer”, por exemplo. Pois, essas apresentam-se em muitas reflexões mediados pela dicotomia entre o interno (o inconsciente) e o externo (o consciente). Nos ensaios podemos verificar uma explicação totalizante das questões que se colocam acerca das relações sociais e o universo psíquico.

A perspectiva historicizante destes os situam na crítica a naturalização, com que alguns conceitos da psicanálise, são utilizados e tratam das relações sociais. Entre eles, as questões referentes ao “instinto de morte”, da psicanálise freudiana, e o conservadorismo que o associa a necessidade da repressão. Desse modo, Nildo Viana, não incorreu no esvaziamento da subjetividade das suas determinantes histórico-concretas. O universo psíquico, em especial a mentalidade dominante, é um dos elementos que possibilitam a reprodução do capital. Portanto é fundamental situarmos a constituição da psicanálise na história e explicarmos o universo psíquico na totalidade das relações sociais.

Afirma a necessidade de uma história crítica da psicanálise, que demonstre como o universo psíquico, constitui-se na sociedade moderna sob condições colocadas pelo processo de crescente mercantilização e burocratização das relações sociais. Oriundo da expansão e universalização do capitalismo intensificada após a Segunda Guerra Mundial. De modo que, as demais esferas da vida social, estejam condicionadas pelo modo de produção existente. O que nos possibilita explicarmos a simultaneidade entre o crescimento das “necessidades fabricadas” e os interesses da classe dominante.

No entanto, o autor, que é um crítico das concepções pseudomarxistas e seus mecanicismos, não oculta na sua análise, as lutas sociais que se opõem a exploração capitalista. A preocupação em apontar saídas onde tudo parece perdido, coincide com a crítica de Henri Lefebvre a Herbert Marcuse, que, também é questionado por Nildo Viana. Daí, a preocupação com que resgata as fantasias, sonhos e utopias como elementos que resistem à repressão e voltam ao consciente. Constituindo-se em manifestações de resistência à sociabilidade restritiva impostas pelo realismo político e o pragmatismo dos partidos e sindicatos, por exemplo.

A compreensão de que a consciência do indivíduo se constitui socialmente retoma a possibilidade de que o caráter teleológico dessa contribua na superação das condições dadas. Daí, podermos classificar as questões sobre o “instinto de morte” e o “Complexo de Édipo” como ficções freudianas. Pois estão circunscritas à naturalização do que é criado socialmente. Resultado de uma análise que faz a abjuração dos sentimentos, reconhecidos mas tornados obscuros na análise freudiana, em favor da paixão deste pelos instintos. Em resumo, a naturalização e o idealismo de análises que elaboram um modelo ideal e o tornam uma idéia fixa. Ao qual, a realidade, deverá se curvar.

Nildo Viana resgata a importância dos sentimentos e apresenta o amar como uma necessidade humana. Interessante observarmos que na sociedade em que vivemos, os desejos são reprimidos, mas as necessidades não deixam de existir. No livro “A Sagrada Família” de Marx e Engels, o amor também está associado ao humano, ao imediato, a experiência sensual, real, e, portanto, não metafísico. A emancipação humana passa por considerar os sentimentos ao invés da naturalização dos instintos. Não incorrendo, assim como alguns freudo-marxistas, como Erich Fromm, na proposição de saídas individualistas ou legitimação em determinada medida da repressão.

No entanto, reconhece a insuficiência com que o marxismo se preocupou com o universo mental dos indivíduos e a contribuição conseqüente de freudo-marxistas como Reich. Que situa-se na crítica a naturalização da repressão e não incorre na racionalização desta na sociedade, como faz Marcuse, que, ao afastar-se da teoria da revolução do marxismo, preocupa-se em constituir uma filosofia da psicanálise, com uma análise abstrata que desconsidera a existência de classes sociais antagônicas.

No último ensaio, “Marcuse e a crítica ao neofreudismo”, o autor reafirma a necessidade de compreendermos os temas colocados pela psicanálise não em sentenças abstratas ou empiricistas, mas em suas múltiplas determinações. De modo que a natureza humana não seja vista como imutável.

O livro é uma grande contribuição na compreensão da dinâmica da sociedade capitalista. Retomando a importância da descoberta do inconsciente realizada por Freud e associando-a as afirmações de Marx de como os homens e mulheres agem a partir das condições objetivas dadas. Oxalá possamos ler outros trabalhos que objetivem afastar a névoa do complexo processo de constituição do universo psíquico. Desvendando os conflitos sociais encobertos pelas explicações naturalizantes. Tendo como condição indispensável, a constituição de uma sociedade, onde os seres humanos realizem-se nas suas potencialidades.

1 - Mestre em História/UFG; Professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás.
2 VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo, Escuta, 2008.


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